Regulação transcricional da lipogénese

Avidência que tem sido recolhida nos últimos anos indica que os efeitos de vários nutrientes e hormonas na expressão dos genes lipogénicos são mediados pelos SREBPs (Hua et al., 1993; Tontonoz et al., 1993; Yokoyama et al., 1993). As SREBPs são fatores de transcrição que regulam a expressão de genes ligados ao colesterol e ao metabolismo de ácidos graxos. Pertencem ao grupo de fatores de transcrição básicos da hélice – hélice (bHLH)-leucina, e podem ser separados em três tipos: SREBP-2, SREBP-1a e SREBP-1c (também chamada ADD1). A SREBP-1a e -1c, das quais a SREBP-1c é considerada a mais fisiologicamente relevante, são produtos de um único gene que diferem no seu primeiro exão. Desde a sua descoberta em 1993, o modo de acção molecular da SREBP-2 tem sido muito bem caracterizado. Quando os níveis de colesterol livre na célula são altos, a SREBP-2 está presente como um grande precursor imaturo ligado ao retículo endoplasmático. Quando a concentração celular de colesterol diminui, a molécula precursora é clivada proteoliticamente para liberar um fragmento maduro que se transloca para o núcleo. No núcleo, a SREBP-2 madura liga-se a um elemento chamado de resposta ao esterol na região promotora dos genes alvo e assim ativa sua transcrição.

Estudos em camundongos transgênicos que superexpressam a SREBP-2 no fígado sugerem que a SREBP-2 estimula a expressão de genes envolvidos no metabolismo do colesterol, tais como o receptor LDL, farnesyl pyrophosphate synthase e genes HMG-CoA reductase. Curiosamente, em camundongos que superexpressam a SREBP-1a ou SREBP-1c no fígado, um dramático acúmulo de triglicerídeos hepáticos e elevados níveis de expressão de genes lipogênicos foram observados. Isto levou à conclusão de que a SREBP-1 ativa genes ligados à lipogênese no fígado (revisado em Horton e Shimomura, 1999).

Surprendentemente, o fenótipo dos ratos nulos da SREBP-1 revelou que a SREBP-1 provavelmente tem um papel um pouco diferente no tecido adiposo. Nestes ratos, a massa do tecido adiposo não foi afectada, nem a expressão do tecido adiposo de ácido gordo sintetase e acetil-CoA carboxilase (Shimano et al., 1997). Outras evidências sugerindo um papel diferente da SREBP-1 no tecido adiposo vieram de estudos com ratos transgénicos que expressam a SREBP-1c sob controlo do promotor aP2 (para superexpressão específica do tecido adiposo). No tecido adiposo branco desses ratos, a expressão dos genes implicados no metabolismo do colesterol foi marcadamente elevada, enquanto a expressão dos genes implicados na síntese de ácidos graxos e triglicérides permaneceu inalterada (Shimomura et al., 1998). Uma observação ainda mais marcante e contraintuitiva nesses ratos foi que sua massa tecidual adiposa foi reduzida para menos da metade da dos ratos do tipo selvagem. A explicação por detrás da diminuição da massa gorda permanece elusiva, mas pode estar relacionada com a diminuição da expressão dos factores de transcrição adipogénicos receptor activado do proliferador peroxisómico γ (PPARγ) e CCAAT Enhancer binding protein (C/EBPα). Em geral, esses dados sugerem que os papéis da SREBP-1 no fígado e no tecido adiposo podem ser diferentes.

Está se tornando cada vez mais evidente que a indução da expressão do gene lipogênico no fígado pela insulina e glicose é mediada pela SREBP-1. De fato, a SREBP-1 exibe ratos nulos com dificuldade de regulação da expressão gênica lipogênica em um protocolo de jejum/alimentação (Shimano et al., 1999). A insulina e a glicose afetam a atividade transcripcional da SREBP-1 através de vários mecanismos. Primeiro, a insulina demonstrou estimular a expressão do mRNA da SREBP-1 em adipócitos (Kim et al., 1998) e hepatócitos (Foretz et al., 1999b), um efeito que é provavelmente mediado pela via triquinase do fosfatidilinossitol (Azzout-Marniche et al., 2000). Além disso, a insulina provavelmente aumenta a ativação transcripcional pela SREBP-1, independentemente de mudanças em seus níveis de mRNA, via fosforilação dependente da MAP (Roth et al., 2000). Assim como a insulina, a glicose estimula a atividade promotora da SREBP-1 e a expressão do mRNA (Hasty et al., 2000). O aumento relativo na forma nuclear da SREBP-1 após a refeiçao dos carboidratos (Horton et al., 1998) sugere que a insulina e a glicose também podem estimular a transcrição do gene dependente da SREBP-1 ativando a clivagem proteolítica da SREBP-1 ligada à membrana. Entretanto, um efeito direto da insulina ou glicose na clivagem proteolítica do precursor da SREBP-1 não pôde ser demonstrado (Azzout-Marniche et al., 2000; Hasty et al., 2000).

Ácidos graxos poli-insaturados também regulam a expressão dos genes lipogênicos. No entanto, ao contrário da glicose e da insulina, eles regulam a expressão dos genes. Este efeito é alcançado pela inibição da expressão do mRNA da SREBP-1 (Kim et al., 1999; Mater et al., 1999; Xu et al., 1999; Yahagi et al., 1999), bem como pela inibição do processamento proteolítico do precursor da SREBP-1 (Thewke et al., 1998).

SREBP-1 desempenha claramente um papel fundamental na mediação dos efeitos da insulina na expressão gênica, mas provavelmente não é o único fator de transcrição envolvido. Estudos in vitro estabeleceram claramente a importância dos fatores estimulantes a montante (USFs) na regulação do promotor de sintetizase de ácidos graxos pela insulina. As FUS são fatores de transcrição ubíquos de bHLH-leucina que são capazes de interagir como homo e/ou heterodímeros com caixas E de seqüência CANNTG (Wang and Sul, 1997). Tal caixa E está presente na promotora da sintetizase de ácidos graxos. As mutações que enfraquecem a ligação de USF1 e USF2 a esta caixa E abolem a activação insulino-dependente do promotor de ácido gordo sintetase. Estudos recentes com ratos sem USF1 e/ou USF2 forneceram evidências muito convincentes de que USF1 e USF2 estão envolvidos na mediação do efeito estimulante da insulina/glicose na expressão da sintetase do ácido gordo (Casado et al., 1999). Os efeitos da USF e da SREBP-1 parecem ser aditivos e independentes (Latasa et al., 2000). Finalmente, a glicose pode regular a expressão dos genes lipogênicos através de um fator de transcrição da resposta aos carboidratos (ChoRF), que ainda não foi clonado. Elementos específicos da resposta que ligam este fator de transcrição foram identificados no promotor dos genes alvo, como a quinase piruvada (Koo and Towle, 2000).

Um importante fator de transcrição no tecido adiposo é o receptor do hormônio nuclear PPARγ. Apesar de seu nome, esta proteína não é ativada por proliferadores peroxisômicos, mas por ácidos graxos e seus derivados eicosanóides, assim como por drogas da classe thiazolidinedione (Kersten et al., 2000a). PPARγ faz parte do programa de diferenciação de adipócitos, induzindo a diferenciação dos pré-adipócitos em células gordurosas maduras. Até à data, sabe-se que apenas um número limitado de genes é regulado por PPARγ no tecido adiposo. Estes codificam a proteína de ligação dos ácidos gordos adipócitos, lipoproteína lipase, proteína transportadora de ácidos gordos (FATP), acil-CoA sintetase, fosfo-enol piruvato carboxiquinase e o factor adiposo induzido rapidamente FIAF/PPARγ angiopoietina relacionada com PGAR (Kersten et al., 2000b; Yoon et al., 2000). Com base nas identidades destes genes, juntamente com a observação de que a expressão PPARγ é estimulada pela insulina (Vidal-Puig et al., 1997) e pela SREBP-1 (Fajas et al., 1999), seria de esperar que PPARγ tivesse não só um efeito adipogénico, mas também um efeito lipogénico. Isto é apoiado por dados clínicos, mostrando que pacientes que tomam ativadores sintéticos do PPARγ frequentemente ganham peso (Fuchtenbusch, 2000). Além disso, os ratos mutantes heterozigotos PPARγ exibem estoques menores de gordura em uma dieta rica em gordura (Kubota et al., 1999; Miles et al., 2000). Os modelos de eliminação de gordura induzíveis e específicos dos tecidos PPARγ devem ser altamente informativos em termos de obter mais informações sobre a função do PPARγ nas células adiposas maduras. No que diz respeito ao fígado, embora PPARγ seja normalmente apenas minimamente expresso em hepatócitos, a acumulação de triglicéridos hepáticos está associada a um aumento dramático da expressão de PPARγ, sugerindo que PPARγ pode desempenhar um papel na estimulação da lipogénese (Chao et al., 2000).

Em conclusão, os últimos anos trouxeram uma avalanche de novos dados sobre os mecanismos de regulação da lipogénese por nutrientes e hormonas. Está agora claro que a SREBP-1, e em menor grau a USF1 e USF2, desempenham um papel central na mediação dos efeitos dos nutrientes e hormônios na expressão do gene lipogênico no fígado. No tecido adiposo, outro fator de transcrição, PPARγ, é crítico para a regulação tanto da adipogênese quanto da lipogênese. O papel que o SREBP-1 desempenha no tecido adiposo ainda não foi claramente definido. No entanto, em geral, a SREBP-1 e o PPARγ tornaram-se alvos atraentes para intervenções farmacêuticas de distúrbios como hipertrigliceridemia e obesidade.

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