DISCUSSÃO

No total, 258 pessoas participaram dos estudos e foram alocadas aleatoriamente para o grupo controle ou grupo experimental. Um aspecto positivo dos estudos foi a utilização do procedimento de randomização, mas os estudos não explicaram o tipo de relação que os pacientes tinham com os avaliadores e condutores dos grupos de terapia e intervenção, ou a relação dos condutores da intervenção com o pesquisador. Este é um dado importante para a compreensão completa do desenho de cada estudo.

A idade média dos participantes foi de 79,99 anos. Apenas o estudo de Han et al.52 relatou o nível educacional, com uma média de 8,06 anos. No estudo de Särkämö et al.28, foi utilizada uma escala de Likert para indexar a educação, na qual uma pontuação de um correspondeu à educação primária e sete correspondeu ao nível de doutorado, com média de três pontos para os grupos de canto e controle e de 2,8 pontos para o grupo que ouviu música. Assim, não foi possível estimar o nível de escolaridade da amostra em anos. O relato do nível de educação nos estudos é crítico porque foi demonstrado no estudo de Livingston et al.2 que a resiliência cognitiva na idade adulta é susceptível de ser aumentada através da educação e de outros estímulos intelectuais. Além disso, este autor afirmou que taxas mais baixas de demência tardia estão associadas ao ensino superior.

A maioria dos participantes do estudo eram mulheres (70,54%). Todos os estudos utilizaram a musicoterapia ou a música como forma de intervenção. Entretanto, um estudo usou musicoterapia dentro de um programa de intervenção mais amplo.52 O tempo de intervenção variou entre os estudos28,48-50 de oito semanas a seis meses, com uma a seis sessões por semana; o tempo de serviço variou de trinta minutos a uma hora e meia por sessão. De acordo com a meta-análise da Cochrane,29 os efeitos terapêuticos baseados na música são evidentes após cinco sessões. Como todos os estudos incluídos na presente revisão tiveram mais de cinco sessões terapêuticas, uma possível falta de efeito de intervenção musical nestes estudos não pode ser atribuída a um tempo de intervenção limitado.

A maioria dos estudos utilizou avaliações ou testes de triagem cognitiva geral para avaliar habilidades cognitivas específicas como memória, atenção e funções executivas, linguagem e habilidades visuomotoras. Também foram utilizadas baterias multifuncionais, tais como medidas para avaliações de habilidades funcionais, comportamento, humor e protocolos específicos de avaliação em musicoterapia. Um resumo dos testes utilizados nos estudos é apresentado na Tabela 3.

Tabela 3

Testes utilizados por tipo de avaliação.
Avaliação Testes
Avaliação funcional Indexo de Independência nas Atividades de Vida Diária e Instrumental ADL (ADL e IADL);Avaliação de Deficiência para Demência (DAD)
Avaliação comportamental Escala de Depressão Geriátrica (GDS); Cohen-Mansfield Agitation Inventory (CMAI)
Teste cognitivo Exame do Estado Mental – Escala de Avaliação do Mal de Alzheimer (MMSE)
Bateria multifuncional Consórcio para um Registro de Doença de Alzheimer (CERAD); Escala de Avaliação da Doença de Alzheimer – Subescala Cognitiva (ADAS-Cog); Classificação da Demência Clínica (CDR)
Áreas cognitivas específicas Memória: Frequência da Lista de Verificação de Memória Revisada e Problemas de Comportamento (RMBPC-F) e Reação da Lista de Verificação de Memória Revisada e Problemas de Comportamento (RMBPC-R); Escala de Memória Wechsler (WMS-III); Teste de amplitude de dígitos; Teste de Memória de Prosa Imediata e Diferida (MPI e MPD), avaliando a memória semântica; Teste de memorização da lista de palavras (Consórcio para um Registro de Bateria de Doença de Alzheimer CERAD); Atenção e Funções Executivas: Cálculo do MMSE; Bateria de avaliação frontal (FAB) Matrizes de atenção: avalia o foco seletivo, concentração e flexibilidade; Espaça-dígitos direta e invertida. Linguagem: MMSE itens verbais; Teste de similaridade da Escala de Inteligência Wechsler (WAIS-III); Teste de fluência verbal do Consórcio para o Registro do Mal de Alzheimer (CERAD); Boston Naming Test (BNT); Bateria de Afasia Ocidental (WAB); Percepção visual: Tarefa de cópia do MMSE; Cubos da Escala de Inteligência Wechsler III WAIS-III parte A (Trail Making Test TMT).
Avaliação de terapia musical Escala de perfil de terapia musical geriátrica (GMP). Escala de atividade de Musicoterapia (SVAM). Melhoria das medidas relacionadas às atividades musicais.

Os estudos apresentaram uma heterogeneidade de avaliações cognitivas e diferentes medidas. Apenas o MMSE avaliando cognição geral foi utilizado na maioria dos estudos. As diferentes abordagens de avaliação podem dificultar a detecção da eficácia do resultado do tratamento. Para avaliar os pacientes, Sarkamö et al.28 utilizaram 13 testes diferentes no mesmo dia. Este tipo de avaliação pode causar estresse ou fadiga em pacientes com demência e pode influenciar os resultados. A avaliação cognitiva realizada no estudo por Ceccato et al.53 avaliou todos os pacientes sem diferenciar a duração e o tipo de demência. Os psicólogos responsáveis pela avaliação encontraram dificuldades para realizar a avaliação neuropsicológica devido à deterioração causada pela demência ou a baixos níveis de escolaridade. Esta avaliação durou uma hora e 15 minutos, além de outras avaliações realizadas por enfermeiros e musicoterapeutas. Lord e Garner54 citaram que os pacientes tinham DA progressiva, inferindo que tinham formas leves ou moderadas de DA. Os autores não realizaram avaliações cognitivas ou comportamentais convencionais; ao contrário, utilizaram um questionário desenvolvido pela equipe envolvendo perguntas de uma lista da American Medical Association

O processo de envelhecimento pode estar associado a distúrbios cognitivos, e a demência pode variar de acordo com a história clínica e o tipo de patologia. A demência por DA tem os critérios diagnósticos mais freqüentes e bem estabelecidos.3,8 As terapias visando o alívio dos sintomas devem, preferencialmente, começar no início da fase da doença, quando a função cognitiva não estiver gravemente prejudicada. Um atraso de dois anos no início da demência, utilizando previsões baseadas em estudos de incidência de US, poderia reduzir a prevalência de demência em 23%.8 Entretanto, a maioria dos estudos revisados não descreveu a duração da doença, estágio da DA (leve, moderada ou grave) ou mesmo diferenciar entre os tipos de demência, que podem ter prognósticos diferentes. Por exemplo, Han et al.52 analisaram pacientes com ICM, que podem ser clinicamente identificáveis com os estágios neuropatológicos iniciais da demência,8 pacientes com demência leve, 28 pacientes com DA, três pacientes com DRV e um paciente com TCE. Han et al.52 não diferenciaram as análises por patologia, ou seja, se o ICM era amnésico ou não e se a análise diferia para os diferentes tipos de demência. Por outro lado, Särkämö et al.28 reanalisaram seus dados para estudar fatores clínicos e sociodemográficos que podem influenciar a eficácia das intervenções musicais. O autor observou em seu estudo que a eficácia das intervenções musicais e o resultado da reabilitação são diferentes para grupos de pacientes com DA, VD e FTD. Os resultados indicaram que a etiologia da demência, gravidade, idade e situações de cuidado podem mediar a eficácia cognitiva e emocional do canto regular e/ou da escuta de música. Assim, a heterogeneidade das medidas utilizadas nos estudos dificulta a comparação e a falta de dados sobre os participantes de alguns estudos53,54 não favorece a caracterização da amostra. É fundamental para o avanço da pesquisa na área que dados básicos sobre participantes como tipo de demência, duração, gravidade dos sintomas e nível de escolaridade sejam relatados em todos os estudos.

O tratamento com música e/ou musicoterapia foi investigado em três estudos28,53,54 e a musicoterapia integrada a programas de reabilitação foi abordada em um estudo.52 No estudo de Han et al.,52 não podemos concluir que houve melhora apenas devido a intervenções musicais, já que o programa MCET inclui outras formas de terapia como treinamento cognitivo, estímulos cognitivos, orientação à realidade e fisioterapia e terapia de reminiscência; a musicoterapia foi utilizada apenas uma vez por semana durante 60 minutos. Além disso, no estudo de Han et al.,52 o tipo de atividade musical utilizada não foi especificado; portanto, é difícil atribuir qualquer efeito específico ao uso das atividades musicais. O estudo de Ceccato et al.53 utilizou um programa de treinamento musical, STAM-Dem, que consiste em uma série progressiva de sessões de música utilizadas em uma seqüência de exercícios passo a passo para estimular a atenção e a memória. Os outros estudos usaram o canto e a audição de forma mais livre,28,54 e Särkämö et al.28 usaram canções populares de 1920 a 1960, enquanto Lord e Garner54 usaram canções dos anos 1920 e 1930, quando as ‘Big Bands’ tocavam diariamente. A musicoterapia é um processo sistemático de intervenção que utiliza diferentes técnicas que vão desde actividades musicais passivas a activas. Neste sentido, é importante considerar que existe também uma heterogeneidade substancial na intervenção musical, que vai desde as técnicas de escuta musical até um uso mais sistemático das actividades musicais com objectivos de estimulação. Portanto, a eficácia da intervenção pode variar de acordo com a qualidade da intervenção musical oferecida.

Neste momento, é hora de considerar a questão principal que orientou esta revisão sistemática: as intervenções musicais têm um efeito na memória das pessoas com demência? Um primeiro ponto a considerar é que o estudo de Han et al.52 não elucida esta questão, pois a intervenção musical compreende apenas uma parte de um amplo protocolo de investigação, impedindo assim a inferência sobre qualquer efeito específico da intervenção musical no estudo. Além disso, no estudo de Han et al. não foi observado nenhum efeito da intervenção sobre a memória. Em outros estudos, o uso da música foi a parte central da intervenção e envolveu o uso da escuta musical, que variou desde ouvir e cantar músicas conhecidas28,54 até um uso sistemático da música com o propósito de estimulação cognitiva.53 Em todos esses estudos, a intervenção musical teve algum efeito sobre a memória. As questões que se colocam são as seguintes: este efeito foi consistente? Que tipo de memória é mais beneficiado pela intervenção?

Em relação à memória de trabalho ou memória de curto prazo, tanto Ceccato et al.53 como Särkämö et al.28 utilizaram medidas comparáveis desta construção, como as tarefas de amplitude de dígitos em ordem direta e inversa. Neste caso, os resultados dos dois estudos podem ser considerados conflitantes, já que Särkämö et al.28 reportaram um efeito positivo da intervenção musical na memória de trabalho, enquanto Ceccato et al. (2012) não reportaram diferença estatisticamente significativa entre o grupo experimental e o grupo controle. Entretanto, é importante notar que mesmo no estudo de Särkämö et al.,28 o efeito sobre a memória de trabalho foi limitado e não persistiu em uma avaliação posterior seis meses após a intervenção. Outro aspecto a considerar é que, em sua reanálise dos dados, Särkämö et al.28 relataram que o efeito sobre a memória de trabalho foi moderado pelo grau de demência e foi maior em pessoas com demência leve. Como Ceccato et al.53 não relataram o grau de demência de seus participantes, não é possível verificar se a diferença no resultado dos estudos pode ser atribuída a este fator.

Outra medida de memória que pode ser considerada comparável entre os estudos de Ceccato et al.53 e Särkämö et al.28 é a medida da memória verbal de longo prazo. Ambos os estudos incluíram medidas que pediram aos participantes para repetir uma passagem de texto apresentado verbalmente após um intervalo de tempo variando de 10 a 20 minutos (o teste MPD foi usado no estudo de Ceccato et al.53 e o teste Logic Memory II da Escala de Inteligência para Adultos Wechsler foi usado no estudo de Särkämö et al.28).28 Novamente, os resultados obtidos são conflitantes entre os dois estudos: desta vez, o estudo de Ceccato et al.53 et al.28 Uma possível explicação para esta disparidade nos resultados pode ser devida à tarefa empregada por Särkämö et al.28 (20 minutos versus 10 minutos na tarefa de Ceccato et al.53 entre a fase de estudo e a fase de teste). Este intervalo pode ter contribuído para um efeito de floor na tarefa. Afinal, se examinarmos a medida de memória a longo prazo (Memória Atrasada) em Särkämö et al.28, pode-se observar que a média ponderada de tarefa entre os três grupos de estudo foi de apenas três pontos de um total de 35,

Finalmente, tanto o estudo de Lord e Garner quanto o estudo de Särkämö et al.28 utilizaram medidas de memória que podem ser consideradas para avaliar a memória autobiográfica. Ambos os estudos utilizaram a escuta musical e observaram um efeito desta intervenção sobre a memória autobiográfica. Mais especificamente, no estudo de Särkämö et al.,28 tanto as pessoas do grupo que só ouviam música como o grupo que cantava lembraram-se mais dos nomes de pessoas que tinham conhecido na infância do que as pessoas do grupo de controle. No estudo de Lord and Garner54 , os participantes do grupo que ouviram e cantaram músicas exibiram melhor recordação de fatos relacionados à sua história pessoal do que os participantes dos dois grupos-controle. Assim, os dois estudos que utilizaram medidas mais específicas de memória autobiográfica tiveram resultados compatíveis. Um fato importante a considerar é que na reanálise de Särkämö et al.,28 o efeito da intervenção musical sobre a memória autobiográfica não foi moderado por nenhuma variável sociodemográfica, e isto é uma indicação de que o efeito da intervenção musical sobre este tipo de memória pode ser mais robusta e generalizada do que outros tipos de memória.

Em suma, ainda não está claro se a intervenção musical tem um efeito sobre a memória, particularmente a memória de curto prazo e a memória verbal de longo prazo, para as quais resultados conflitantes têm sido observados.28,53 Os resultados mais promissores parecem envolver a memória autobiográfica, em que os dois estudos que mais diretamente investigaram esta construção relataram efeitos positivos da intervenção musical sobre a memória autobiográfica.28,54 Outro aspecto positivo é que parece não ter feito diferença, no que diz respeito aos efeitos sobre a memória, se a intervenção musical foi aplicada mais sistematicamente a partir de um programa de intervenção53 ou executada a partir da escuta.28,54 Este é um ponto importante porque as atividades de audição ou mesmo de canto são mais acessíveis e podem ser estimuladas em casa pelos familiares e cuidadores das pessoas com demência, resultando em uma grande possibilidade de atividade preventiva.

Em conclusão, esta revisão sistemática teve como objetivo analisar como a intervenção musical pode afetar a memória dos pacientes com DA. Este é o primeiro estudo de revisão encontrado na literatura que tem esse objetivo. Esta revisão demonstra que existem poucos estudos randomizados a partir da data de publicação. A maioria dos artigos foi publicada recentemente, ou seja, nos últimos 3 anos, o que indica a preocupação com este tipo de tratamento na última década, possivelmente devido ao aumento de pacientes diagnosticados com DA na população mundial. Os artigos foram publicados em diferentes países, incluindo Coréia, Finlândia, Itália e EUA, mas nenhuma pesquisa foi encontrada no Brasil.

Os resultados encontrados nos artigos demonstraram que a intervenção musical pode ser eficaz no tratamento de pacientes com DA. Entretanto, as evidências disponíveis ainda são insuficientes devido ao pequeno número de estudos científicos randomizados que avaliaram a memória em pacientes submetidos a tratamento musical. Apesar da limitada evidência, é importante realizar estudos com intervenções musicais de apoio ao uso da música no tratamento complementar de idosos com demência devido à DA avaliando o impacto sobre as funções cognitivas e diferentes tipos de memória. A prestação de cuidados e reabilitação para pessoas com DA tornou-se um grande desafio para o sistema público de saúde e para a sociedade.28 Estudos futuros são necessários com amostras mais bem caracterizadas, particularmente em termos da etiologia da demência, duração e gravidade dos sintomas, e do nível educacional dos participantes. Além disso, o tipo de intervenção musical utilizada deve ser melhor descrito, e medidas sensíveis dos diferentes tipos de memória devem ser incluídas, uma vez que esta não é uma construção unitária.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.